Estas á procura de...

sábado, 30 de outubro de 2010

O Torpedo que dá choques de 200 volts.

Já é raro aparecer nas redes dos pescadores do Sado. Muito por culpa do aumento da poluição do rio. Mas quem já teve um encontro de 'terceiro grau'
com a tremelga, um dos peixes mais perigosos da costa portuguesa, não o esquecerá tão depressa - "é como meter os dedos numa ficha"


É uma daquelas espécies de peixe que não dá nas vistas. Apenas porque raramente se mostra. Tem apetência por estar parada, lá bem nas profundezas macias, até aos 150 metros, mas não se importa de explorar os fundos próximos da costa. Só que quando a tremelga decide atacar uma presa ou precisa de se defender de predadores, todos os cuidados são poucos. A enorme nuvem de areia que se ergue à sua volta é apenas o aviso de que está por ali uma espécie de "arma de combate", que brilha tanto, que está furiosa e com fome, ao ponto de dar descargas eléctricas na casa dos 200 volts. Não é por acaso que a tremelga surge entre os peixes mais perigosos da costa portuguesa, quando se consulta os livros de boas práticas na pesca desportiva ou mergulho. Quem já experimentou a potência da voltagem faz um relato suficientemente esclarecedor do "encontro". "É como meter os dedos numa ficha. Perdemos o sentido das coisas por um instante. Afinal, ela só quer que a larguem para ir à sua vida. Mas lá que deixa os cabelos em pé..."

A explicação é de Joaquim Sabino Gouveia, um pescador de Sesimbra com formação em Biologia, que não voltou a cometer o erro de retirar tremelgas da rede como de simples raias se tratassem. E se são parecidas aos olhos do cidadão comum! Por exemplo, no rio Sado o torpedo-marmota é quase uma réplica fiel. É preciso conhecer alguns pormenores. A principal referência recai sobre os cinco enormes ocelos azuis. Encontram-se sobre o disco, simetricamente dispostos, bordeados por um anel mais escuro e outro mais claro.

Talvez seja o suficiente para não deixar escapar a presença daqueles dois órgãos eléctricos reniformes bem desenvolvidos e fortes. Visíveis externamente, principalmente entre os maiores exemplares, que podem atingir o imponente comprimento de 60 centímetros.

Os indivíduos mais pequenos desferem descargas eléctricas menos contundentes, equivalentes, contudo, à potência de 50 e 80 volts. Todavia, é com recurso aos órgãos eléctricos que a tremelga lança ataques fulminantes às suas presas, escolhendo, sobretudo, peixes de dimensões mais reduzidas, embora na sua dieta também caibam pequenos invertebrados e alguns crustáceos.

É curioso, ainda assim, o facto de esta espécie estudar bem a "refeição" antes de partir para o ataque. Não arrisca em se defrontar com outros peixes de maior envergadura, pelo que só quando tem certeza do que realmente quer, é que se ergue dos fundos dos mares, revolvendo tudo à sua volta, mesmo quando os movimentos são ténues e lentos.

Esta "confessa" apreciadora do descanso e do sossego - é capaz de estar parada horas a fio, como se de um sono profundo se tratasse, confundindo-se com a areia - foge das águas ambientalmente desfavorecida. O aumento da poluição no Sado, com a instalação de novas fábricas, tem-se revelado um obstáculo à nidificação desta espécie. Já lá vai o tempo em que apareciam com frequência na rede dos pescadores; nos últimos anos a tremelga começou a escassear por estas paragens. "Ainda há alguma, mas não se compara com há uns 20 anos", lamenta o pescador/biólogo. A despoluição do Tejo, pelo contrário, tem-se revelado um "chamariz interessante" para este peixe.

1 comentário: